POP Pills Addiction

Prescrito para estados alterados da mente.

Friday, February 29, 2008

O Que Sobrou do Céu




O Que Sobrou do Céu
(O Rappa)


Em certa manhã, Lauro acordou e percebeu que seu pênis havia sumido. Procurou entre os lençóis, embaixo da cama, e depois no banheiro, na cozinha, pela casa toda, sem obter sucesso. Como já estava atrasado para ir ao trabalho, se arrumou e saiu.

Durante o dia, no escritório, pouco sentiu falta de seu membro. Atolado de trabalho, muita papelada para resolver, acabou não pensando muito no assunto.

À noite, estava cansado, e pretendia dormir o mais cedo possível. Todavia, levou um susto quando abriu a porta de casa e ouviu uma gritaria vindo de seu quarto. Eram vozes de mulheres, em gritos e gemidos de prazer.

Ao adentrar no recinto, Lauro viu seu pênis com duas mulheres na cama. Uma loira e outra morena, em posições nas quais Lauro nunca conseguiu sequer imaginar. Ele entrou e se retirou sem ser notado, tomou seu banho, jantou, e dormiu no sofá da sala.

No dia seguinte, Lauro voltou à sua rotina. Mais uma vez, quando retornou, encontrou seu pênis na cama, dessa vez com uma ruiva, que fazia sexo anal de uma forma tão compenetrada e selvagem que Lauro não teve coragem de ver por mais de dois segundos. Ele apenas jantou e se jogou no sofá para dormir.

No terceiro dia, a mesma coisa se repetiu. Mas desta vez seu pênis fazia posições do Kama Sutra com uma mulher de pele branca, cabelos negros e olhos verdes. Lauro nem deu bola, comeu e dormiu como sempre.

O quarto dia seguiu o mesmo roteiro, sendo que desta vez o visitante em sua casa era um negro alto e forte, que aparentemente não tinha pudor sexual algum.

Até que, no quinto dia, algo diferente aconteceu. Lauro acordou sentindo uma presença incômoda em seu ânus, e quando deu por si, estava sendo penetrado por seu pênis.

- Agora já é demais, você passou de todos os limites!

Revoltado, foi até a cozinha, sem que o pênis desgrudasse de seu orifício. Pegou um facão de churrasco com a mão direita, e com a esquerda segurou o membro, que ainda estava rijo. Quando estava prestes a cortá-lo em fatias, Lauro reconheceu a sensação de tê-lo em suas mãos. Era bom, como poderia ter se esquecido disso? Começou então a se masturbar ali mesmo na cozinha, até chegar a um longo e intenso orgasmo.

- Como pude pensar em te matar? – pensou arrependido enquanto se limpava. – Mas por que você me abandonou?

Foi então que o pênis olhou para ele e respondeu:

- Já estava cansado de só ficar na punheta!


Imagem: Milo Manara.

Obs: Conto publicado originalmente no Overmundo.

Friday, February 22, 2008

How Soon is Now?





How Soon is Now?
(The Smiths)


Por um segundo, vi meu reflexo na lágrima que escorria em seu rosto. A medida em que ela descia, passava por sua face, chegava ao queixo e caía em seu seio, percebi que você não faria mais parte da minha vida.

Pensei em me explicar, pensei em suplicar, pensei em seu cheiro doce invadindo minha pele, pensei em tudo o que vivemos juntos. Mas nada disso saiu de minha boca. Pelo contrário, o que proferi foram apenas ofensas e escárnio.

Quando me disse que partiria, entendi que na verdade você queria ficar. Não sei por que te perguntei "O que tá esperando então? Ninguém está te prendendo!".

Tive as chances que mereci e não mereci. Quantas vezes pisei na bola e você me xingou, me odiou, só que mesmo assim não me abandonou? Todas as vezes que me irritava contigo pensava que no que aguentou por de mim e ainda ficou ao meu lado.

A verdade é que ainda te amo. Fui eu que te mandei embora, tenho que conviver com isso pra sempre. Talvez volte a ser feliz e volte a amar outra mulher. Só que é triste pensar que desperdicei o grande amor que senti por ego ferido. Ainda minto pra mim mesmo, digo que foi melhor assim. Sei que, se vivesse tudo de novo, acabaria cometendo os mesmos erros.

Imagem: Casal Inglês Dançando, de Ernest Ludwig Kirchner

Friday, February 15, 2008

SAMBA (EU QUERO SABER QUEM MATOU)



SAMBA (EU QUERO SABER QUEM MATOU)
(Rogério Skylab)


Foi o caso mais estranho que caiu em minhas mãos. Os cadáveres ainda estavam quentes, mas em seus olhos havia uma frieza estranha, de quem não se importa mais com sua alma.

Durante as investigações fui ameaçado. Não de morte, nnem de perder o emprego. Ameaçado de ser esquecido. "Ninguém lembra mais de seus mortos" me disseram. "E logo você se juntará a eles".

Até que, certo dia, um garoto na rua estava ouvindo um deles em seu Ipod. Depois, percebi que outro estava sendo lido no metrô por um senhor de olhos cansados, mas que ainda não desistiram.

Foi quando me toquei de que na verdade eles nunca foram mortos, apenas condenados à não-existência. Diabos, pensando melhor talvez eles mesmo tenham se condenado - ou se venderam e ficaram com as sobras, ou nunca o fizeram porque ofereceram um valor baixo demais.

Imagem: A Negra, de Tarsila do Amaral.

Friday, February 08, 2008

Bullet in the Head




Bullet in the Head
(Rage Agains the Machine)


O asfalto aquece meu rosto.
O cheiro de sangue mantém-me acordado,
mas a vontade de partir é irresistível.

Um tumulto à minha volta:
vozes e sons outrora reconhecíveis
agora são inteligíveis e distantes.

O sangue se esvai, deixando o solo rubro.
A lágrima que escorre – despedida –
torna úmida a face do cadáver.

Num piscar de olhos,
o metal quente penetrou na caixa craniana
rompeu ossos, atravessou o cérebro.

Num piscar de olhos,
vivi tudo novamente,
eternamente repetição, em um único instante.

Num piscar de olhos,
o que era verdade tornou-se falso,
o que era infinito se acabou.

As sirenes anunciam mais uma vida perdida.
Um acréscimo à estatística,
apenas a rotina.

Parentes choram, inconformados,
mas do corpo gelado
Não sente saudades quem morreu.

A este resta a paz do cemitério,
o esquecimento inevitável
e o indesejado anonimato.


Imagem: Books of Magick: Life During Wartime #1, de Frank Quitely

Monday, February 04, 2008

Jigsaw Falling Into Place




Jigsaw Falling Into Place
(Radiohead)

Hoje tive um sonho estranho. Alguém tinha dado um reboot no mundo. Quando acordei sentia que o nada era mais o mesmo. Depois notei que as pessoas me olhavam como se eu não estivesse com elas: minha esposa não me beijou, meu cachorro não quis meus afagos, meu filho não quis brincar comigo.

Quando fui trabalhar, o ônibus não parou. Tive que pegar um táxi, mas não consegui nenhum. Resolvi ir a pé. O pior é que, quando cheguei no trabalho, no lugar da minha empresa tinha um escritório de advocacia. Ao descer pra ir embora, o porteiro deixou a porta do elevador fechar enquanto eu passava.

Nervoso, liguei pra minha mãe, mas o celular não completava a ligação. Liguei pra operadora, e disseram que meu número não existia. Peguei então o metrô, mas quando cheguei na casa de mamãe ela me chamou de maluco, disse que nunca teve filho algum. Foi quando notei que minha aliança não estava mais em meu dedo.

Fui numa lan house mandar um e-mail para meu melhor amigo, mas em todas as contas aparecia o aviso "usuário e senha não conferem". Foi quando finalmente chorei. Minha vida não ia bem fazia tempo, mas agora todos os limites tinham sido rompidos.

Resolvi me matar. Me joguei no meio da rua, esperando ser atropelado. Foi quando vi os anjos. Iluminados, desceram e me levaram aos céus. Pediram desculpa, mas um bug no sistema tinha me apagado da existência. Fiquei puto, xinguei Deus e o Diabo, quebrei tudo. Constrangidos, eles me deram razão, mas que não podiam fazer muito pra ajudar.

Acabei voltando ao mundo, só que ninguém lembra de mim. Vou ter que reconstruir tudo, recomeçar do zero. E querem saber? Acho que foi o melhor que poderia ter acontecido comigo.

Imagem: Sonho causado pelo vôo de uma abelha, de Salvador Dali.

Sunday, February 03, 2008

Number One Zero






Number One Zero
(Audioslave)


Ainda sinto o sabor de seu beijo em meus lábios, a pequena dor (ou a pequena morte?) de sua mordida em meu pescoço. Não teria meu sangue dado prazer suficiente em todas aquelas noites?

Invejo a sua imortalidade. Desejo sua eternidade fria, escura e distante. A solidão em seus olhos me fazem observar além do espelho. Desejo estar lá com você, do outro lado, sem reflexo. Mas não sem alma.

Por que não sugou todo o meu sangue? Agora afasta-se de mim, procura outra presa talvez? Medo de descobrir sua humanidade? Devíamos estar juntos, entregando-nos ao que sentimos um pelo outro, sem racionalizações. Mas a criatura que orgulha-se de sua superioridade mostra-se apenas apenas mais um na multidão.

Não desistirei do que sinto. Você acha que consegue me despistar. Só que um dia, quando menos esperar, estarei ao seu lado novamente. Até lá, te vigiarei de longe, mantendo nossa união em meus sonhos. Sempre terei sua companhia nas frias noites urbanas.


Imagem: Bite Club #1, por Frank Quitely.