POP Pills Addiction

Prescrito para estados alterados da mente.

Thursday, May 29, 2008

Gotham City Blues





Gotham City
(Camisa de Vênus)



Cristina vê fantasmas à noite
E os confunde com as sombras da cidade.
Ela teme os fantasmas ou as sombras?
Escondendo-se sob os lençóis,
Sua oração é proferida no escuro,
Escapando por sussurros entre os dentes,
Pois sabe que só o Morcego ouve preces
Nas frias noites de Gotham City.


Celina vive sozinha com seus gatos
E sai de casa apenas para trabalhar.
Ela sempre acaricia seus bichos
O único contato físico com outro ser vivo que obtém.
Procurando companhia pela internet,
Sempre olha pela janela à procura de algo,
Pois sabe que só o Morcego preenche a solidão
Das frias noites de Gotham City.


Carla somente usa preto
E toma antidepressivos no café da manhã.
Ela acha viver monótono,
Mas nunca teve coragem de tentar algo diferente
Prefere se lamentar nos cantos,
Encarando o tédio de sua existência,
Pois sabe que só o Morcego salva vidas
Nas frias noites de Gotham City.


Cecília ama seu marido
E faz tudo que ele pede.
Ela não costuma sentir prazer
Quando, bêbado, ele a penetra todas as noites
A forçando a engolir seu sêmen.
Quando suas partes íntimas sangram, silencia,
Pois sabe que só o Morcego alivia a dor
Das frias noites de Gotham City.


Camila possui três filhos
E os protege por demais.
Ela vê em sua mente, todos os dias,
Seus meninos desaparecerem pelo mundo.
Por isso assume o papel de carrasco,
Mantendo-os em uma prisão emocional,
Pois sabe que só o Morcego é confiável
Nas frias noites de Gotham City.


Carol é uma poetisa
E escreve para se libertar.
Ela expurga demônios em versos,
Pensando que assim obtém salvação.
É sincera consigo mesma apenas ao criar,
Quando admite que seja a única dona de sua vida,
Pois sabe que só o Morcego protege os fracos de espírito
Das frias noites de Gotham City.



Imagem: Capa de Gotham Knights #29, por Brian Bolland.

Thursday, May 22, 2008

Elektrobank





Elektrobank

(Chemical Brothers)



Ganhou, gastou, se endividou, chorou, pagou, se aposentou. Morreu.


Imagem: capa do single Elektrobank.

Friday, May 16, 2008

Primavera




Primavera
(Tim Maia)


Hoje esqueci que o mundo vive em guerra. Odiar é mais fácil que amar, talvez porque ódio venha do medo, o sentimento humano mais fácil de se despertar. Mas não hoje. Hoje pra mim nenhum homem-bomba se explodiu, nenhum soldado disparou sua arma contra inocentes, nenhum vizinho brigou por qualquer motivo fútil, nenhum casal separou-se por falta de dinheiro, nenhum político mentiu para se dar bem, nenhum patrão explorou um funcionário que necessita do emprego, não houve jornal que fabricou notícia para aumentar suas vendas ou agradar patrocinadores, não houve guerrilheiro seqüestrando pessoas, nem governos utilizando esses seqüestros para justificar interesses escusos.

Ilusões de um belo dia de primavera, eu sei. Mas foi assim que me senti, porque foi o dia em que te conheci, tive o calor do seu corpo junto ao meu, o toque suave de sua pele, o doce sabor de seus beijos, seus dedos entrelaçados junto aos meus. Seu sorriso sincero, seus olhos brilhando apenas porque descobria o amor em mim, ao mesmo tempo em que eu descobria o amor em você. Nunca esquecerei o brilho de seus olhos – não há obra de arte, pôr do sol, galáxia alguma que me proporcionará uma visão tão linda.

Desejo que toda a humanidade sinta o que senti nesses momentos ao seu lado: uma dose de felicidade pura, inebriante. Por alguns momentos, esqueçam-se todos os sofrimentos, todos os medos cotidianos, apenas o amor será permitido. Amar é o melhor sentimento humano, com ele tudo mais fica pequeno. Por que não nos entregamos integralmente, deixando pra trás egos feridos, sonhos de grandeza e qualquer outra bobagem que nos impede de ser o que desejamos?

Hoje foi um dia especial de primavera. Garanto que cada um já teve o seu. O que nos segura para que todos os dias sejam assim?

Para Elaine

Imagem: Nuit Etoilee, de Vincent Van Gogh.

Friday, May 09, 2008

Sweet Dreams






Sweet Dreams

(Eurythmics)





Escuridão completa. Acho que estou num sonho, mas não tenho certeza se realmente peguei no sono. Há uma presença ao redor, entretanto não consigo localizá-la. Até que vejo uma mão sobre minha cabeça. Ela segura uma faca enorme, tão afiada que chega a brilhar (embora não sei de onde vem a luz que a ilumina). Desce certeira em meu pescoço, deslizando em minha carne suavemente. Meu sangue espalha-se por todo lado, jorra pelo corpo inteiro, um rio caudaloso que segue inexorável por margens invisíveis. Acordo assustado, só que nada realmente aconteceu. Volto a dormir, ou ao menos tento.



Na noite seguinte, o ritual se repete. Ainda estou incerto se realmente durmo. Novamente encontro-me só na escuridão. Sinto um vento frio. O silêncio é absoluto. Por fim a mão aparece, desta vez portando uma pistola calibre 38. Aponta na direção da minha testa e aperta o gatilho. Caio com um buraco na cabeça, de onde o sangue se esvai, mas antes de tocar o chão desperto.



Mais uma noite, mais uma vez encontro-me solitário em meio às trevas. Fico por um bom tempo parado, sem nada acontecer. Até que a famigerada mão se faz presente: atinge meus olhos com um soco inglês, deixando-me cego por alguns instantes. É o suficiente para que me espanque, deformando todo o meu rosto, me fazendo cuspir sangue e todos os dentes. A beira de perder a consciência, percebo que era apenas outro sonho.



Novamente estou na escuridão, agora preso em uma guilhotina. A mão cumpre seu serviço fazendo a lâmina descer e separar minha cabeça de meu corpo.



Tento evitar dormir, mas não consigo. Quando me vejo perdido no escuro, corro em desespero. Todavia, meus esforços são inúteis. A mão me persegue com uma tocha, e por mais que tente, ela não se distancia. Quando finalmente canso, meu crânio fica em chamas. O calor é tão forte que me faz despertar.



Decido que não irei mais fugir, não quero a cada noite sentir a morte de um jeito diferente. Tomo um banho, troco de roupa, acendo incensos. Só meditando conseguirei descobrir o que realmente acontece. Concentro-me na escuridão, até me enxergar nela. Logo noto a mão atrás de mim. Agora ela está vazia. Não desvio meu olhar, vou seguindo o braço, peito, pescoço. Vejo que o dono da mão sou eu, ou meu reflexo. O duplo gargalha ao notar meu espanto e diz: "Você nunca conseguirá fugir de si mesmo".



Mais de um ano se passou desde então. Todas as noites encontro comigo mesmo e assisto a meu duplo me matar. Acho que estou mais próximo do momento em que ficarei de vez pela escuridão. A cada dia este pensamento torna-se mais reconfortante.


Imagem: auto-retrato.